Borges, sempre Borges. Mesmo quando não é tão Borges assim. O livro dos seres imaginários é um bestiário que tem o olhar borgeano como diferencial, são 116 relatos sobre a rica fauna que a imaginação humana, de escritores famosos ao mais simples cidadão do povo, foi capaz de produzir. Com a colaboração de Margarita Guerrero, o escritor argentino nos dá a oportunidade de conhecer e lembrar a existência de seres como A Bao A Qu, que se põe quase nos calcanhares dos visitantes, a subir a escada em caracol para alçar ao terraço da Torre da Vitória. Com sua prosa instigante, subimos com Borges cada degrau e quase avistamos este ser completo, em sua perfeição. Perfeição que ganha corpo graças ao poder da palavra borgeana, à semelhança de Marcel Schwob em seu delicioso Vidas imaginárias, pequeno grande livro que atinge o patamar limitado aos gênios: o apogeu da criação de personagens, de seres que levamos conosco para o resto de nossas vidas, gente como Raskólnikov, Lolita, Quincas Borba, Macabéa, Nemcsek e outros garotos da Sociedade do Betume.
A edição d' O livro dos seres imaginários que tenho em mãos é também ela quase uma personagem. A capa branca se mantém suja a despeito da insistência do sabão de coco; não há ficha catalográfica, portanto não sabemos sua data de publicação e outras informações que fazem falta aos amantes da literatura. Outro agravante, embora possa revelar certo charme, é o acabamento ainda não laminado, responsável por aquele leve descascar das pontas. E na folha de rosto, um selo da extinta Siciliano faz lembrar à dona desse exemplar os tempos de trabalho nas imediações da Sete de Abril, as horas de almoço na Mario de Andrade, quando outros sonhos mantinham uma estranha personagem que era ela mesma.
Serviço:
Há novas edições por aí, sobretudo da Cia das Letras, que comprou a obra de Borges. A nova edição deve ser bem melhor que a anterior, da Editora Globo.
