Sobre a autora


Paula Fábrio nasceu em 1970. É mestre e doutoranda em Literatura pela Universidade de São Paulo. Desnorteio [Ed. Patuá], seu primeiro romance, foi Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2013, na categoria estreante. Seu novo livro, Um dia toparei comigo (Foz), é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2016 e recebeu a bolsa de criação ProAC - Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.


quarta-feira

Carta de um tímido poeta para uma prosadora estreante


Quebrando a regra, hoje não vou falar de outros livros, tampouco trago um texto de minha autoria. Após o lançamento de Desnorteio, recebi esta belíssima carta de um novo amigo, o poeta Antonio Siyza, a respeito das primeiras páginas de meu romance. Reproduzo seu conteúdo aqui, e faço uma ressalva, amigo Antonio: quando nos encontramos da primeira vez, não mencionei que não gostava de Dom Quixote, mas que este não era meu livro de cabeceira, talvez por ser muito "masculino?".  No mais, creio que o cavaleiro de Cervantes nos faz rir, mas aquele mesmo riso que nos vai desaparecendo da boca, quando começamos a intuir o mundo, este mundo. Talvez o mesmo mundo sem rumo e sem norte que certo dia ousei rabiscar. Obrigada, querido Antonio, que este seja o primeiro selo de nossa amizade.
 
 
 
"Paula,

 

Que estranha felicidade e não quero gastá-la falando, mas alguém deve falar. Estou alegre pois alguém teve a petulância de escrever um livro tão belo. Estou alegre por ter te conhecido antes de conhecer o teu texto, conheci primeiro a pessoa de Paula, depois o seu talento, insuspeito embaixo de tanta delicadeza.

Paula  o teu livro me dói,  o  teu Quixote me dói todos,  os teus personagens são  constrangedores, loucos, sujos, pobres e humanos. Desnorteio é um tapa na cara. Quando você me falou que não gostava de Dom Quixote, dei uma resposta superficial. Se lembra? Só depois de ler o teu livro  é que entendi  melhor, e parece que você não gosta da crueldade que os outros dedicam ao cavaleiro  louco, aliás, crueldade  que  Cervantes parece compartilhar,  ao  convidar a nós, leitores, a rirmos da loucura do velho, pois nós sentados sobre o nosso bom senso, compartilhamos da razão,  o outro, o louco, só se presta ao riso. A loucura é sempre do outro. Os barões se aproveitam da presença do louco para a burla, para fazer do bobo,  rei. O carnaval cerca o cavaleiro, eis  o pharmacon, o bode da  expiação, a vítima ritual.

 O mais grave é que no Brasil o carnaval é o ano todo, a capacidade de empatia é rara, empatia está muito próxima do conceito freudiano de transferência; se para época de Cervantes  o louco tinha ainda um espaço, para a modernidade, esse espaço foi por longo tempo o manicômio, talvez rituais da época de Cervantes  socializavam a loucura, para nós o louco é insuportável porque percebemos que a loucura é contagiosa, ou  percebemos no louco a nossa própria condição. Pra  afastá-la nos ocupamos, somos seres ocupados, se o manicômio não é mais a solução, nos distanciar parece um ato de higiene. Não olhar, uma proteção.

Paula se nega a não olhar, Paula se nega a não ver,   tem coragem para falar de algo que  no Maximo para muitos é apenas uma piada familiar. Paula se arrisca a encontrar  o seu próprio quinhão, sua herança, não só de loucura mas também  de solidão.  Não se convidam para a festa loucos e poetas, pois são capazes  de estragar a alegria de todos com a sua presença?  O que é a capacidade de empatia para um escritor? O  possibilita de alguma forma dar voz a esses homens nus, a essas pessoas que não têm voz,  não podem gritar. O escritor empresta as suas cordas vocais empresta-lhes o seu grito. É pouco, é muito pouco, mas é exaustivo. Pois a loucura dói, pois a vida dói.

Estou feliz pois para uma sensibilidade como a de Paula, o caminho mais fácil seria sucumbir  ao silêncio, estou feliz porque ela escolheu a fala, o grito,  urro,  a literatura como forma não de diminuir a dor  mas de enfrentá-la, de aceitá-la. Para   nossa época que se gaba da própria superficialidade, que deseja acima de tudo a diversão ou a piada, a leveza  como desculpa, Paula encontra um tema indelicado, roto, sujo. Cria uma maneira para estar atenta.

 

Parabéns Paula

 

Antonio"
 
Para quem quiser entrar em contato com o poeta Antonio Siyza - elnosferatus@yahoo.com.br
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