Sobre a autora


Paula Fábrio nasceu em 1970. É mestre e doutoranda em Literatura pela Universidade de São Paulo. Desnorteio [Ed. Patuá], seu primeiro romance, foi Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2013, na categoria estreante. Seu novo livro, Um dia toparei comigo (Foz), é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2016 e recebeu a bolsa de criação ProAC - Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.


segunda-feira

José Saramago

Qual o melhor livro de Saramago? Por qual leitura devo entrar em sua obra? Não existem respostas absolutas para essas perguntas, mas o que posso contar é um pouco da minha trajetória de leitora e assim sugerir um caminho.
Confesso que fiquei impressionada com Ensaio sobre a cegueira, minha estreia saramaguiana, mas tem muita gente que se incomoda com o livro, sobretudo com a escatologia, e acaba por abandonar a leitura e o autor. Penso que vale a pena persistir, é uma das obras-primas de Saramago. Mas se o que atrapalhou o leitor foi a pontuação, o máximo que posso dizer é: esforce-se, é uma chance de ultrapassarmos nosso cotidiano tão comezinho.
Intermitências da morte não tem um começo digno de Saramago, talvez por ser cômico demais, quase grotesco, mas pense no que vou falar: o livro dá uma virada a certa altura e a filosofia que a figura da morte se impõe a fazer é um dos momentos mais ternos da literatura em língua portuguesa.
A viagem do elefante é um dos livros mais completos de Saramago, onde ele retoma temas do início da carreira e tão caros a seus primeiros fãs, como a história de Portugal, por exemplo, mesclando ironia, comicidade e lirismo. O estilo dos parágrafos intermináveis, o uso da linguagem oral, a pontuação desobediente, todas suas marcas estão aí. Mas os capítulos são menores, o que torna sua leitura mais fácil para se administrar.
O conto da ilha desconhecida combina inteligência e humor com perfeição. O livro é pequeno e altamente saboreável. Talvez uma porta de entrada. Quem sabe.
Agora falemos de Levantado do chão. Outra obra-prima, assim como Ensaio sobre a cegueira. Livro bastante político de Saramago, Levantado do chão conta a história de uma família de camponeses do Alentejo, com um pano de fundo que podemos chamar de “pano de frente”: três quartos de século da história de Portugal pontuados com vigor e sensibilidade. Você vai rir, vai chorar e se posicionar, não há escape. E também vai se lembrar de Cem anos de solidão, com certeza. Só que mais profundo e mais sério.
Vou estender o texto outro pouquinho para me atrever a falar sobre o que não li: parece que O evangelho segundo Jesus Cristo, Memorial do convento e Jangada de pedra são leituras fundamentais. Foi o que ouvi de muitos leitores nos meus anos de livraria. E há certo consenso sobre A caverna e Ensaio sobre a lucidez, ambos não estão na lista de suas melhores obras, pelo menos do ponto de vista do leitor. Por fim: Objecto quase, seu livro de contos, é mais indicado para iniciados em Saramago.
Enfim, a obra de José Saramago é vastíssima e não cabe toda neste post. Sobretudo porque não há possibilidade para nos aprofundarmos no assunto. Mas se alguém tiver interesse em ler um pouco mais, saiu a mais recente edição da revista Kalíope de crítica literária da PUC, onde tive a honra de publicar um artigo sobre Levantado do chão, num estudo comparado com Gogol. Para ler, basta clicar no post ao lado. Além do meu artigo, há outros (não sobre Saramago) muito bem escritos e que contribuem para a pesquisa literária realizada em nosso País.

Serviço: todos os livros de José Saramago são publicados no Brasil pela Companhia das Letras, com exceção de Memorial do convento e Levantado do chão, que têm edição pela Bertrand. Mas é bom verificar a disponibilidade nos sites das editoras antes de sair de casa, pois volta e meia esgota-se uma tiragem, mas que rapidamente é reimpressa.